20/10/09

A escravidão voluntária e a liberdade cristã


O ser-humano é religioso. Este ser pensa com as categorias da religião que, em geral e resumidamente, versa sobre a lógica da troca, isto é, oferecer algo à divindade esperando reciprocidade, mesmo que seja inconsciente. Não se pode negar que esta maneira de ser se dá também em relacionamentos pessoais, ou seja, vai além da religião. Mas, o aspecto religioso é o que importa para esta reflexão.

O judaísmo servirá como exemplo. Os sacrifícios, a circuncisão, as regras alimentares, os dias sagrados, etc., são exemplos de como a troca fazia parte do relacionamento entre o ser-humano e o Sagrado. Os judaizantes que corrompiam o evangelho da graça anunciado por Paulo na região da Galácia pensavam assim. Além da fé em Jesus e sua obra, era necessária a adoção do estilo de vida judaico para que os gentios convertidos tivessem uma baliza ética. A idéia de uma vida sem regras, sem lei, sem moeda de troca, era desconfortável.

Até para nós que vivemos muitos séculos depois dos gálatas, destinatários da provável primeira carta de Paulo, é desconfortável e preocupante ouvir que o estilo de vida do cristão deve ser sem regras e sem moeda de troca.

Não temos problemas em afirmar repetidas vezes e de forma exaustiva a verdade do Evangelho da graça: Jesus Cristo morreu por nossos pecados, justificando-nos, de modo que nossa salvação é fruto da graça de Deus e respondemos a ele depositando na pessoa de Jesus toda a nossa fé e devoção. Até aqui tudo certo.

Mas, no dia-a-dia tal verdade sofre os ataques da nossa mente religiosa e logo é transformada em uma escravidão. A escravidão, obviamente, não é causada pela mensagem do Evangelho da graça, mas por nós mesmos. Significa que a escravidão é voluntária. Submeter nossas mentes à lógica da religião é o mesmo que negar o sacrifício libertador de Jesus Cristo, e aceitar as algemas da religião. Foi para a liberdade que Jesus nos libertou, nosso dever é permanecermos livres, vigiando para não nos voluntariarmos para a escravidão novamente (Gl 5.1).

O termo “liberdade”, no entanto, causa o desconforto na mente de legalistas, que o enxergam como pretexto para aqueles que desejam viver libertinamente. Para os libertinos, a graça é confundida com um passaporte para o céu, desconsiderando o discipulado hoje e agora, utilizando a “liberdade” exatamente como teme o legalista.

O conflito está instalado. Se por um lado nada se pode fazer para ser/permanecer salvo; por outro lado ser/permanecer salvo não nos dá o direito de fazermos o que bem entendemos. Como solucionar o conflito? Paulo, o apóstolo, nos indica o caminho.

A liberdade proclamada e assegurada pelo evangelho da graça é libertação da escravidão do pecado, da culpa, da mentalidade religiosa. Liberta o ser humano da necessidade de utilizar moedas de troca para se relacionar com o Criador. Teremos problemas se confundirmos essa liberdade com liberdade para os desejos da carne sob o domínio do pecado. Cristo nos libertou do pecado e não para o pecado.

Sendo assim, nem religiosidade/legalismo, nem licenciosidade/permissividade. Dar liberdade para a carne satisfazer seus desejos e impulsos é negar a graça libertadora (Gl 5.13, 19-21). Criar e obedecer a regras e leis na tentativa de ser salvo, refrear os impulsos da carne, ou santificar-se, é negar a graça libertadora (Gl 2.15-21; cf. Cl 2.20-23). A liberdade que a graça promove é viver pelo Espírito (Gl 5.16), e Cristo viver em nós (Gl 2.20).

No entanto, toda a liberdade da qual falamos nos conduz à obediência de uma lei: o amor ao próximo. O amor é a expressão da liberdade que nos foi dada. O amor ao próximo é a única lei, e através dela saberemos se amamos ou não a Deus (I Jo 4.7-12). O amor ao próximo é o resumo de toda a lei (Gl 5.13, 14). Esta lei do amor é liberdade em prática, é fé vivencial. Liberdade é amar.

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Maio de 2009