09/12/09

Redescobrindo a sabedoria dos contos maravilhosos




Histórias tradicionais como os contos de fadas são um grande campo de pesquisa e aprendizado. Eles podem servir de material de apoio para ensinar valores compatíveis com o cristianismo, como respeitar todos os seres, ajudar o próximo e fazer o bem. Esses valores, implícitos nos contos de fadas, são manifestações da Imago Dei, presente em todos nós. É importante lembrar que os contos podem ser aplicados ao ensino para pessoas de todas as idades.

Respeito e bondade são valores ressaltados na maioria dos contos. Em Romanos 12.10 temos a clara recomendação do apóstolo Paulo: “Dediquem-se uns aos outros com amor fraternal. Prefiram dar honra aos outros mais do que a si próprios.” O texto de Filipenses 2. 3-4 nos exorta a considerar os outros superiores a nós mesmos e a procurar seus interesses e não apenas os nossos.

Infelizmente não é o que aprendemos em nossas escolas, muito menos nas produções da mídia e no consenso da sociedade. Vivemos num mundo de extrema competição em todas as esferas da vida. Respeitar e tratar com bondade e consideração a todos parece mesmo ser uma atitude contrária aos valores atuais da nossa cultura ocidental.

Contudo, a Bíblia deixa bem claro que só podemos vivenciar o verdadeiro cristianismo por meio da prática dessas virtudes. Podemos observar que é constante, nos contos de fadas, o herói (ou a heroína) tratar com bondade e consideração seres de aspecto repugnante ou socialmente inferiores.

O conto A abelha rainha relata a história de três irmãos. Dois deles saíram pelo mundo atrás de fortuna, mas logo caíram num modo de vida insensato, e não puderam voltar para casa. O irmão mais novo, visto como insignificante por ser anão, saiu à procura deles. Encontrando seus irmãos, passaram por um formigueiro, um lago onde havia muitos patos nadando e uma colméia. Os dois mais velhos queriam molestar os animais, mas o anão, demonstrando respeito e consideração pelos bichinhos, não o permitiu. Mais tarde chegaram a um castelo encantado, no qual tudo era de mármore. Numa tabuleta estava escrito que a única forma de quebrar o encantamento era trazer as mil pérolas escondidas no bosque, pescar num lago a chave do quarto da princesa e escolher a mais jovem e a mais bondosa das três filhas do rei. Os dois irmãos falharam no cumprimento da primeira tarefa e foram transformados em mármore. O anãozinho, porém, contou com a ajuda do rei das formigas, dos patos e da rainha das abelhas, e cumpriu todas as tarefas, quebrando o encantamento e salvando a todos.

Esse conto revela o ensino sobre a valorização da natureza e o respeito à vida, ensinamento de grande relevância no mundo em que vivemos, ameaçado por guerras nucleares, armas químicas, poluição, desmatamento indiscriminado das florestas e extinção de inúmeras formas de vida, abalando o equilíbrio ecológico do planeta.

Em concordância com as Escrituras, podemos encontrar também nesse conto o ensinamento de que aquele que é desprezado na verdade é o mais importante. No reino de Deus, o maior é o menor; o que chora é bem aventurado; e o fraco é forte (cf. Mt 18. 1-4; Mt 5. 4 e II Co 12.10).

Este é um grande consolo a todos que de alguma forma sofrem desprezo ou discriminação. Nosso Deus é maravilhoso e cheio de surpresas para os que nele esperam.

[Adriana Torquato Resende é professora de Educação Cristã no curso de pós-graduação da FLAM. Este é um trecho de seu  livro Era uma vez – Os valores cristãos nos contos de fadas, publicado pela editora Mundo Cristão.]

17/11/09

A Igreja que não existe mais (1)



“Todos os que criam estavam unidos e tinham tudo em comum. E vendiam suas propriedades e bens e os repartiam por todos, segundo a necessidade de cada um. E, perseverando unânimes todos os dias no templo, e partindo o pão em casa, comiam com alegria e singeleza de coração, louvando a Deus, e caindo na graça de todo o povo. E cada dia acrescentava-lhes o Senhor os que iam sendo salvos.” At 2:43-47

Na época do surgimento da Igreja do Novo Testamento, a palavra igreja significava, apenas, uma reunião qualquer de um grupo organizado ou não. Assim, o texto nos revela que havia um grupo organizado em torno de sua fé (Todos os que criam estavam unidos) – todos acreditavam em Cristo.

Segundo o texto, os participantes do grupo do Cristo não tinham propriedade pessoal, tudo era de todos (tinham tudo em comum) – os membros desse grupo vendiam suas propriedades e bens e repartiam por todos – e isso era administrado a partir da necessidade de cada um; e se reuniam todos os dias no templo; e pensavam todos do mesmo jeito, primando pelo mesmo padrão de vida (unânimes); e comiam juntos todos os dias, repartidos em casas, que, agora, eram de todos, uma vez que não havia mais propriedade particular; e eram alegres e de coração simples; e viviam a louvar a Deus; e todo o povo gostava deles, e o grupo crescia diariamente. Diariamente, portanto, havia gente acreditando em Cristo, se unindo ao grupo, abrindo mão de suas propriedades e bens e colocando tudo à disposição de todos.

Essa Igreja era a Comunhão dos santos – chamados e trazidos para fora do império das trevas, para servirem ao Criador, no Reino da Luz.

Essa Igreja não precisava orar por necessidades materiais e sociais, bastava contar para os irmãos, que a comunidade resolvia a necessidade deles.

Deus havia respondido, a priori, todas as orações por necessidades materiais e sociais, fazendo surgir uma comunidade solidária.

O pedido: “O pão nosso de cada dia, dá-nos hoje." (Mt 6.9) estava respondido, e diariamente.

Então, para haver o “pão nosso” não pode haver o pão, o bem ou a propriedade minha, todos os bens e propriedades têm de ser de todos.

Mais tarde, eles elegeram um grupo de pessoas, chamadas de diáconos – garçons, para cuidar disso (At 6.3). Então, diante de qualquer necessidade, bastava procurar os garçons, que a comunidade cuidava de tudo. Era o princípio do direito: se alguém tinha uma necessidade, a comunidade tinha um dever.

Essa Igreja não existe mais!

[ O prof. Ariovaldo Ramos leciona Teologia e é diretor acadêmico na FLAM]

03/11/09

Maravilhosa Graça


É muito comum entre os cristãos afirmar-se que o cristianismo é uma religião da graça! Entre nós enfatizamos e destacamos a graça como um favor imerecido. Assim como a palavra ágape que descreve o amor, entendemos que a palavra charis descreve a graça ambas usadas e com símbolo verdadeiro somente entre os cristãos.

Entendemos graça como a bondade espontânea e autodeterminada de Deus, anteriormente totalmente desconhecida do vocabulário ético e teológico grego. Definimos graça como a riqueza de Deus baseada em Cristo Jesus, perdoando-nos e chamando-nos para Si mesmo. Entretanto, apesar de todo esse conhecimento, parece não haver muitos cristãos que, de fato, creiam e vivam na graça.

Na verdade, temos sempre um grupo de cristãos que acham a idéia da graça tão irresistivelmente maravilhosa que nunca perdem esse sentimento inicial. Muitos adotam para si as palavras de Paulo em 1Co 15.10 e Gl 2.21. Porém, esses mesmos ligam esses conceitos quase que exclusivamente à salvação. Infelizmente, mesmo citando-a em suas conversas, a maioria dos cristãos não vive na graça no seu dia a dia. Ao invés disso basta que tenham alguma tribulação ou aflição, basta que tenham uma opinião contrária ao seu parecer, explodem, xingam, se irritam, ficam irados e magoados. Perdem a graça! O problema é que muitos de nós apesar de falarmos muito sobre a graça não a experimentamos constantemente, porque no fundo do nosso coração não temos uma definição correta desse atributo divino.

Precisamos conhecer quatro verdades fundamentais sobre a doutrina da graça para podermos nos relacionar bem com Deus e com os homens. Essas são as quatro verdades básicas sobre a maravilhosa graça:

O homem é moralmente indigno – Embora estejamos a cada dia avançando no campo da ciência e da tecnologia. Embora tenhamos complacência conosco mesmo, crendo que estamos melhorando, temos que admitir que o ser humano continua moralmente aquém do padrão que temos em Deus. Temos que admitir que o homem é uma criatura que está com a imagem de Deus distorcida, que é rebelde contra a lei divina e que por causa dos pecados é culpado diante de Deus.

Deus é retribuidor em sua justiça – O homem moderno costuma não enxergar os seus erros. Admite o erro nos outros entendendo que ele mesmo os cometeria se as suas circunstâncias fossem diferentes. A boa vontade em tolerar e conviver com o pecado faz-nos aceitar os nossos próprios desmandos. E, diante disso cremos que Deus age da mesma maneira. Não se crê mais que Deus retribui em sua justiça. Não se crê mais que Deus odeia o pecado. Temos que nos conscientizar de que Deus não será fiel a Si mesmo se não condenar o pecado. Ele é santo, justo e zeloso.

O homem é incapaz espiritualmente – Nesses dias pós-modernos vivemos sob um princípio sutil e perigoso. Colocamos o outro sempre numa posição em que ele não pode dizer não. E ai, o temos em nossas mãos. Como fazemos isso? Com presentes, com elogios e com os mais diversos mimos. Compramos as pessoas dessa maneira e assim também queremos agir com Deus. Fazemos os deveres religiosos, contribuímos para as causas meritórias e cremos que Ele nos aceita. Temos que perceber que somos injustos e não obteremos nada com Deus por essa barganha.

Deus é soberanamente livre – Nos esquecemos que o nosso Deus não depende de nós para se sentir bem (Sl 50.8-13). Esquecemos que Deus não está obrigado a nos perdoar quando pecamos. Esquecemos que Deus não tem obrigação de impedir o desenvolvimento da Sua justiça quando erramos. Temos que aceitar que Deus é soberanamente livre para agir como bem entender dentro dos Seus princípios.

Somente quando entendemos que Deus não é obrigado a nada podemos usufruir da maravilhosa. Somente crendo dessa maneira podemos compartilhar da imerecida e maravilhosa graça divina.

Viva dessa maneira e agradeça a Deus por sua maravilhosa graça!

[ O prof. Itamir Neves leciona Teologia do Novo Testamento na FLAM]

28/10/09

Inspiração e consagração


Apesar de estar muito longe de ser um artista, arrisco afirmar que uma obra de arte se constrói a partir de inspiração e consagração. Inspiração é o dom que vem do alto, é talento puro, criatividade que não se aprende ou se imita; é o insight, luz que transforma as trevas da mesmice, é a habilidade de improvisar. Inspiração é o dom que o criador deu ao ser humano de construir algo belo e digno de admiração. É a capacidade de transformar sucata em artesanato, de visualizar uma escultura em uma pedra bruta, de fazer versos e poemas de palavras que nada dizem em si mesmas. Por sua vez, consagração é trabalho duro e suor, dedicação e sacerdócio, renuncia e apego. Consagração é a sustentação da inspiração. Por trás de tudo que, legitimamente, se pode chamar de arte está uma história de dedicação e determinação. A inspiração é uma matéria bruta que precisa ser lapidada pela consagração. Idéias brilhantes sem trabalho duro é combustível para a frustração, decepção e presunção.

Dever-nos-ia impressionar que o primeiro retrato de Deus nas Escrituras é o de criador, artista e artesão. O bara’ (Ele criou) de Deus fez que o visível viesse a existir das coisas que não aparecem (Hb. 11:3), pela primeira vez a centelha da inspiração aflora no tempo e espaço. Além disso, cada etapa da criação é um Ki- tôbh (que bom), sua conclusão faz romper uma exclamação de admiração e realização: Hinneh tôbh me’odh (Veja, olha!!! É muito bom)! No entanto, o relato da criação não aponta apenas para a inspiração e beleza, mas para um esforço árduo! Talvez alguns se escandalizem com esta possibilidade, pois entendem que Deus jamais precisa empreender esforços já que é todo-poderoso. Entretanto, devíamos prestar atenção no fato de que a narrativa da criação termina com Deus vivenciando o shabhat (cessou/descansou). O estudioso Hans Walter Wolff sustenta que a idéia de descanso referente ao sétimo dia é acentuada à luz de Ex. 20:11 com o verbo vayyanah [imperfeito do verbo nûah] traduzido por descansou e Ex. 31:17 em que se acrescenta vayinnaphash [imperfeito do verbo naphash] que tem o sentido de “respirou aliviado”. Segundo o autor, o “repouso de Deus pode significar duas coisas: 1) Ele pode repousar, pois toda a obra, tudo o que o ser humano precisa está consumado; e 2) a ampliação “Ele respirou”, “Ele se refez”, ainda insinua, com um leve antropomorfismo: Ele precisa descansar, esgotou-se em sua obra da criação. Isto se pode entender plenamente apenas no “esgotamento” do crucificado: tetélestai, “está consumando” (Jo. 19:30).” (Wolff, 2007, p.215). Portanto, a meu ver, se bara’, que os teólogos entendem como criar da nada, é a melhor definição de inspiração, confirmada por Ki- tôbh, shabhat é a melhor definição para consagração. Assim, a criação de Deus resume a primeira grande expressão de beleza e esforço, de inspiração e consagração, que encontra sua plenitude na beleza do amor e entrega de Cristo na cruz!

Por isso, entendo que a betsalmenû (nossa imagem) e kidhemûtenû (nossa semelhança) de Deus em nós nos desafiam a fazer nosso trabalho como artistas e artesões, pois somente assim nos tornamos digno de nossa vocação e vivenciamos o significado pleno de fazer tudo para a glória D’Ele. Por esta razão, os missionários, os pregadores, professores, evangelistas, músicos, ou seja, quem constrói e serve ao criador, precisa conjugar inspiração e consagração. O senhor nos chamou para edificarmos comunidades de artistas e artesões, Seu maior projeto é construir vidas. A vida e obra de Jesus é modelo que encarna este propósito e projeto de Deus, nele unção e missão encontram expressão e equilíbrio. Nas palavras do apóstolo, inspirado e consagrado, Deus nos predestinou “a fim de sermos para louvor da sua glória....” (Ef.1: 6,12,14).

[ O prof. Israel Sifoleli leciona Teologia Antigo Testamento e Hebraico na FLAM]

20/10/09

A escravidão voluntária e a liberdade cristã


O ser-humano é religioso. Este ser pensa com as categorias da religião que, em geral e resumidamente, versa sobre a lógica da troca, isto é, oferecer algo à divindade esperando reciprocidade, mesmo que seja inconsciente. Não se pode negar que esta maneira de ser se dá também em relacionamentos pessoais, ou seja, vai além da religião. Mas, o aspecto religioso é o que importa para esta reflexão.

O judaísmo servirá como exemplo. Os sacrifícios, a circuncisão, as regras alimentares, os dias sagrados, etc., são exemplos de como a troca fazia parte do relacionamento entre o ser-humano e o Sagrado. Os judaizantes que corrompiam o evangelho da graça anunciado por Paulo na região da Galácia pensavam assim. Além da fé em Jesus e sua obra, era necessária a adoção do estilo de vida judaico para que os gentios convertidos tivessem uma baliza ética. A idéia de uma vida sem regras, sem lei, sem moeda de troca, era desconfortável.

Até para nós que vivemos muitos séculos depois dos gálatas, destinatários da provável primeira carta de Paulo, é desconfortável e preocupante ouvir que o estilo de vida do cristão deve ser sem regras e sem moeda de troca.

Não temos problemas em afirmar repetidas vezes e de forma exaustiva a verdade do Evangelho da graça: Jesus Cristo morreu por nossos pecados, justificando-nos, de modo que nossa salvação é fruto da graça de Deus e respondemos a ele depositando na pessoa de Jesus toda a nossa fé e devoção. Até aqui tudo certo.

Mas, no dia-a-dia tal verdade sofre os ataques da nossa mente religiosa e logo é transformada em uma escravidão. A escravidão, obviamente, não é causada pela mensagem do Evangelho da graça, mas por nós mesmos. Significa que a escravidão é voluntária. Submeter nossas mentes à lógica da religião é o mesmo que negar o sacrifício libertador de Jesus Cristo, e aceitar as algemas da religião. Foi para a liberdade que Jesus nos libertou, nosso dever é permanecermos livres, vigiando para não nos voluntariarmos para a escravidão novamente (Gl 5.1).

O termo “liberdade”, no entanto, causa o desconforto na mente de legalistas, que o enxergam como pretexto para aqueles que desejam viver libertinamente. Para os libertinos, a graça é confundida com um passaporte para o céu, desconsiderando o discipulado hoje e agora, utilizando a “liberdade” exatamente como teme o legalista.

O conflito está instalado. Se por um lado nada se pode fazer para ser/permanecer salvo; por outro lado ser/permanecer salvo não nos dá o direito de fazermos o que bem entendemos. Como solucionar o conflito? Paulo, o apóstolo, nos indica o caminho.

A liberdade proclamada e assegurada pelo evangelho da graça é libertação da escravidão do pecado, da culpa, da mentalidade religiosa. Liberta o ser humano da necessidade de utilizar moedas de troca para se relacionar com o Criador. Teremos problemas se confundirmos essa liberdade com liberdade para os desejos da carne sob o domínio do pecado. Cristo nos libertou do pecado e não para o pecado.

Sendo assim, nem religiosidade/legalismo, nem licenciosidade/permissividade. Dar liberdade para a carne satisfazer seus desejos e impulsos é negar a graça libertadora (Gl 5.13, 19-21). Criar e obedecer a regras e leis na tentativa de ser salvo, refrear os impulsos da carne, ou santificar-se, é negar a graça libertadora (Gl 2.15-21; cf. Cl 2.20-23). A liberdade que a graça promove é viver pelo Espírito (Gl 5.16), e Cristo viver em nós (Gl 2.20).

No entanto, toda a liberdade da qual falamos nos conduz à obediência de uma lei: o amor ao próximo. O amor é a expressão da liberdade que nos foi dada. O amor ao próximo é a única lei, e através dela saberemos se amamos ou não a Deus (I Jo 4.7-12). O amor ao próximo é o resumo de toda a lei (Gl 5.13, 14). Esta lei do amor é liberdade em prática, é fé vivencial. Liberdade é amar.

12/02/09

O humor de Jesus


Alguns pastores e pregadores confundem a responsabilidade de “expor a bíblia com seriedade” e “expor a bíblia sério” e alegam que o humor é uma forma inapropriada para uma pessoa falar de Deus e do Seu Reino, concluindo que seria desrespeitoso ou até blasfemador comunicar o evangelho de uma forma humorada.

Este argumento seria incoerente com o método que Jesus às vezes optou usar para falar do céu e do seu reino. O que estou querendo dizer é que Jesus usava muito humor para pregar.

Mas por que muitos de nós não vemos de cara o humor de Jesus?

Tirando o caso dos cearenses, o humor nunca foi algo fácil de passar para frente, principalmente em forma escrita. Esta foi a dificuldade dos escritores dos evangelhos ao ouvirem as histórias de Jesus, tiveram que escrevê-las.

Já deve ter acontecido com você alguma situação muito engraçada, onde você passou mal de rir, mas pouco tempo depois, quando você foi contar para alguém, não teve nenhuma graça e a pessoa não riu um décimo do que você riu na hora do fato.

Outra dificuldade é a barreira da cultura e do tempo. Canso de ver filmes de “humor” da Europa, EUA ou Japão e não consigo ver graça nenhuma, mesmo sabendo que foram filmes de sucesso em seus países. Ou, até com alguns filmes nacionais um pouco mais antigos, sinto um humor muito ingênuo. Em se tratando do texto bíblico, houve um afastamento que dificultou a percepção do humor nas histórias de Jesus. Mas, se repararmos, veremos uma forma de humor muito clara e descontraída nas parábolas de Cristo.

Quando Jesus ia contar uma história, mesmo que o assunto fosse delicado e tenso, vemos que as histórias dele não seguem a lógica normal, sempre tem um absurdo que o ouvinte, naquela época, tomaria um susto e provavelmente daria risada. Um humorista famoso definiu o humor como algo inesperado ou inusitado que acontece no nosso dia, e nas histórias de Jesus isso estava presente o tempo todo.

Uma história humorada, geralmente, usa o recurso de exagerar as coisas ou não seguir a lógica. Assim como a piada do homem na estrada com seu carro e leu na placa: cuidado curva perigosa a esquerda! E ao vê-la ficou com medo e decidiu evitar a curva virando para a direita. É claro que nas parábolas de Jesus a intenção final não era rir, pois suas histórias não eram piadas e isso eu queria deixar bem claro, mas Ele usava o humor em praticamente todas as historias que contava para mostrar os valores do Reino.

Imagine um camponês ouvindo Jesus contar que um semeador saiu jogando semente para tudo quanto é lado, algumas caíram na estrada, outras nos espinhos, e assim vai! E logo um gritaria lá de trás da multidão: Este semeador é doido, qualquer um sabe que tem que preparar a terra e colocar a semente com cuidado na vala preparada, pois a semente é cara. Ou, um pastor de ovelha ouvir que um pastor largou noventa e nove no deserto para ir atrás de uma, e um patrão que paga o mesmo tanto para alguém que trabalha um dia ou um hora! E assim vai: a mulher que da uma festa por achar uma moeda, o filho que pede da herança do pai vivo, o leproso (Lazaro) que vai pro céu e o rico (judeu) que vai para o inferno, um reino comparado com um grão de mostarda...

No mínimo, uma risada e a atenção, Jesus conquistava do publico, pois o humor de Jesus deixava a história muito mais interessante. Está certo que alguns, principalmente os fariseus, ao entender a profundidade da história, seu sorriso se tornava raiva, mas devemos entender que, à primeira vista, os absurdos das parábolas de Jesus eram engraçados.

Não acredito que Jesus usava o humor apenas para chamar a atenção do publico, ou para a turma rir um pouco mais, ou para tornar mais interessantes suas histórias. Jesus coloca o humor de forma especial no seu ministério de ensino. Acredito que Ele usava o humor em suas histórias de uma maneira profética, a fim de mostrar os valores do reino e apontar os valores invertidos dos religiosos que o perseguiam.

O humor das parábolas de Jesus pode ser a chave hermenêutica (de interpretação) para o começo da compreensão da lição de cada uma de suas histórias. Se entrarmos na história de Jesus pelo humor desconexo aos valores que temos, fica mais fácil entender que o semeador do evangelho não precisa se preocupar com o solo (coração) que vai receber a semente, pois a tarefa dele é apenas semear independente do solo que ele “acha” que é bom, ou que o pastor do Reino é aquele que entende que cada perdido vale o todo (os 100%) no reino de Deus.

Faça o exercício de ouvir as histórias de Jesus com mais humor, e logo perceberá que as parábolas farão mais sentido, não com a realidade, mas com os valores do reino.
Precisamos levar a sério a bíblia, levar a sério a sua interpretação e com isso levar mais a sério o humor.

Marcos Botelho

Maio de 2009